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Até à presente data, quantos monumentos estão classificados e quantos carecem de classificação urgente?
Em todo o país, estão, actualmente, classificados 278 monumentos e
sítios. Por se classificar, há muitos. Mas isso depende muito da
dinâmica e da participação dos governos provinciais nos processos de
inventariação e documentação do património existente nos seus
territórios.
Temos uma preocupação a este respeito, principalmente em
relação às províncias onde o acervo classificado é pouco numeroso. Não
tanto por não existirem bens de valor patrimonial mas, por falta, de um
trabalho de inventariação, sistemático e contínuo, nos municípios e
comunas de cada província.
Todavia, está em preparação um expediente
técnico para propormos à ministra da Cultura a instrução do processo de
classificação nacional de um conjunto muito interessante de sítios com
túmulos de pedra (também chamados túmulos megalíticos) em Ka-panda,
Laúca, Caculo Cabaça, Ebo, na Quibala, a denominada Praça dos Escravos
em Masangano e a Igreja Católica de Waco Kungo.
Quais são os principais critérios para a classificação de um monumento?
Tudo começa com o inventário. O inventário é um registo inicial e,
como tal, um pré-requisito para a classificação, porque se trata da fase
em que é recolhida uma gama de informações que vão permitir depois
conferir e avaliar o valor ou importância que um determinado bem
(monumento ou sítio) tem do ponto de vista histórico e cultural e a
conveniência ou não da sua classificação como património
histórico-cultural nacional.
Com o alcance da paz, em 2002, houve vantagens na inventariação e classificação de monumentos?
Sim,
com a guerra, o processo de levantamento e inventariação do património
era complexo. Por muito tempo, o nosso raio de acção ficou muito
limitado. Ultrapassado este período e com a instauração da paz, o país
mudou e esse trabalho ficou facilitado. A partir de 2002, passamos a ter
missões por todo o país, incrementamos acções de pesquisa e de formação
com o foco no levantamento e inventariação, e passamos a ter um número
maior de bens classificados, passamos a ter um papel mais interventivo e
abrangente em outras matérias relativas à gestão integral do
património.
Que diferença existe entre monumentos, sítios e bens culturais?
Monumento é genericamente caracterizado como estruturas físicas:
construções arquitectónicas, artísticas, etc. Refiro-me às ruínas
históricas. Os sítios, naturalmente, se percebe que são espaços, urbanos
ou rurais com importância do ponto de vista histórico, cultural ou
natural. Muitas vezes, até pode ser o resultado da combinação do que é
natural e a intervenção humana no espaço.
Quanto aos bens culturais,
estes são caracterizados por três categorias: bens materiais, bens
imateriais e bens naturais. Ou seja, os bens culturais (seja material,
imaterial ou natural) são aqueles bens que são capazes de preservar e
transmitir informações de aspectos históricos, económicos, sociais de um
espaço/tempo. Sendo assim, eles permitem recuperar ou produzir
informações sobre o modo de vida das pessoas e das sociedades do passado
e do presente e fazem parte da nossa memória colectiva.
Quantos monumentos reclamam de rápida intervenção a nível do país e de Luanda, particularmente?
Na realidade, há ainda muitos bens classificados a necessitar de
intervenções pontuais de conservação ou de restauro. A outra realidade é
que o nosso Orçamento Geral do Estado (OGE) não pode suportar o
investimento necessário à recuperação de todo o património no nosso
país.
Na ausência de recursos, tem-se optado pela parceria
pú-blico-privada. Foi ensaiada essa estratégia na recuperação do Palácio
de Ferro e no programa de revitalização das históricas ruínas de
Cambambe, que foram casos de sucesso. O desafio da recuperação do
património esten-de-se ao sector privado, não pode continuar a ser visto
como uma responsabilidade exclusiva do poder público. Está em curso o
restauro da Fortaleza do Penedo, estamos preocupados, também, com a
situação do Forte de São Fernando, no Namibe, o Reduto da Catumbela e o
Forte de S. Sebastião do Egipto, em Benguela, e em Luanda, preocupa-nos a
situação do Forte de São Pedro da Barra.
Quem passa pela cidade de Luanda fica com a impres-são de que o património do Estado é o que melhor está conservado...
Os edifícios institucionais, cuja propriedade é atribuída ao Estado,
são queles que mais têm sido recuperados ao contrário daqueles que são
propriedades privadas.
A conservação dos edifícios particulares é
mais problemática e digo porquê: temos o exemplo dos proprietários de
imóveis classificados que não têm interesse em preservar o património ou
que, não tendo recursos, nem sequer procuram captar as formas de
financiamento necessárias para recuperá-lo. Temos, por isso, muitos
poucos casos ainda de iniciativa particular em preservar ou recuperar o
património à sua guarda.
O que se pode avançar acerca dos bens imateriais. Como ocorre a classificação de um bem imaterial?
O bem imaterial tem um tratamento diferenciado do material. Enquanto
um bem material tem como forma de protecção a sua classificação, já o
imaterial tem como forma de salvaguarda o reconhecimento ou declaração.
São dois actos de natureza distinta.
A semelhança do material, o
imaterial também é inventariado e só desta forma é que se pode pensar em
propor a sua salvaguarda (reconhecimento). Recentemente, foi declarado -
reconhecido -o género de música e dança rebita como património cultural
imaterial nacional, justamente, por se tratar de uma das mais típicas
formas de dança e cantares do nosso país e que, infelizmente, é muito
pouco praticada. Sobre esta matéria, outros géneros e outras componentes
do património cultural imaterial vêm sendo estudados e inventariados
para a sua salvaguarda, como é o caso do semba.
Quais são as instituições públicas, além do Ministério da Cultura, que intervêm para a preservação e divulgação dos bens patrimoniais?
Devemos encarar o património como um tema transversal a outros
domínios de intervenção do Estado. Assim sendo, várias entidades, se-não
mesmo todas, devem conferir importância às questões relacionadas com
estudo, conservação, preservação e valorização.
Em relação à
divulgação, a “media”, a educação, o turismo e outros sectores, até
mesmo a própria sociedade civil, devem contribuir para a informação e
conhecimento em relação ao potencial do nosso país nesta matéria
específica, a importância social e histórica do património e a
responsabilidade que cada um de nós, individual e colectivamente, tem na
sua preservação e valorização.
O Incêndio que destruiu, na segunda-feira, Notre-Dame de Paris. Depois de reconstruída, a Catedral terá ou não o mesmo valor histórico e patrimonial?
Terá, sim, desde que se trate de um trabalho de reconstituição, baseado em documentação gráfica e visual do monumento, incluindo todas as descrições.